É início das aulas. O professor Kin segue para a
Faculdade com a expectativa de encontrar os seus alunos e voltar aos
interessantes diálogos acadêmicos. Iniciada a preleção do dia, um aluno faz uma
pergunta repentina, aparentando já vir pensando no assunto:
- Professor, o
que o senhor achou da decisão do STF (maio de 2011) que equiparou a união
homoafetiva à união estável entre homem e mulher?
- Bem, –
respondeu o professor - eu acredito que o STF excedeu a sua competência,
assumindo a posição de constituinte originário.
-
Não estaria o senhor querendo dizer “de legislador” em vez de
“de constituinte originário”?
-
Note, disse Kin, que o artigo 226 da Constituição fala que a
família é a “base da sociedade”, e, somente após essa afirmação, fala sobre o
casamento e a união estável. Na medida em que a Constituição é entendida como o
Estatuto Fundamental da SOCIEDADE, a tentativa do STF de redefinir o que o
constituinte classificou como BASE da vida SOCIAL esbarrou numa limitação
implícita ao poder de reforma da Carta Magna. Uma limitação implícita ao poder
de reforma não resulta de uma vedação específica à iniciativa de emenda, mas,
sim, do fato de que a mudança de um artigo determinado não pode implicar na
alteração de princípios elementares da Constituição. Há limitação implícita
quando a proposta de emenda objetiva alterar o núcleo constitucional de forma
camuflada.
-
Mas – replica o aluno- o senhor já não nos falou em aulas
anteriores sobre a importância da mutação constitucional através da
interpretação?
Kin mostra satisfação ao perceber que o aluno deu
atenção as suas aulas, mas explica:
-
Konrad Hesse considera “o texto como limite da mutação constitucional”, sendo
ele uma garantia da Constituição. Uma alteração da Constituição que ultrapasse
as possibilidades textuais não é uma mutação, mas, sim, uma quebra
constitucional.[1] Uma vez que
a união estável mencionada é entre HOMEM e MULHER (art. 226, parágrafo 3o
da C.F.), não poderia ser a união homossexual equiparada a ela em hipótese
alguma. É interessante observar que uma união incestuosa entre um irmão e uma
irmã atenderia a definição formal da Constituição de união estável, mas não é
admitida por impedimento legal. A união homossexual, todavia, desatende tanto a
definição constitucional de união estável como os requisitos da lei.
O
aluno insiste:
-
Não poderíamos invocar a analogia para falar em união estável entre
homossexuais?
- Não,
responde Kin. Em primeiro lugar, porque a regra é o casamento e a união estável
é exceção. Entre as regras da hermenêutica jurídica está aquela que diz que “as
exceções são de interpretação estrita”, o que significa ser uma impropriedade
utilizar analogia em Direito excepcional. Em segundo lugar, o tema da família é
de grande interesse público (art. 226 da CF: “A família, BASE DA SOCIEDADE, TEM
ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO”). Normas cuja matéria envolve grande interesse
público são cogentes e taxativas (numerus clausus). O raciocínio cabível
a essas normas não é o raciocínio a simile (que procura casos análogos
por semelhança), mas, sim, o raciocínio a contrário sensu (que trata com
exclusão ou de modo inverso as situações não previstas).
O aluno
resolve colocar a última “cartada”:
-
Mas os homossexuais não teriam direito a um tratamento isonômico?
-
Eu sou a favor dos direitos humanos para todos. Eu sou contra
a discriminação. Os homossexuais têm direitos humanos, embora não defenda
“direitos especificamente homossexuais”. O que quero dizer é que os
homossexuais têm direitos porque são seres humanos e não porque são
homossexuais. Do contrário, teríamos que falar nos direitos dos heterossexuais,
dos pedófilos... Todos devem ser tratados como iguais, mas o caso aqui não se refere
diretamente às pessoas, mas, antes, às instituições, como o casamento e a família.
As instituições são teleológicas, ou seja, são definidas por uma finalidade. A
regulação do casamento e da união estável não tem em vista a simples proteção
dos parceiros, mas, antes, a proteção da família constituída. Como, porém,
podemos falar em família homossexual se a união homossexual é biologicamente
infértil? Como a união homossexual poderia ser a base da sociedade se ela é,
por si mesma, incapaz de perpetuar a espécie? Na verdade, ao defender o
casamento entre homem e mulher defendo a união da qual poderão vir pessoas que
farão a opção de serem heterossexuais ou homossexuais. Ao defender o casamento
tradicional defendo também a continuidade da existência de homossexuais, pois,
se todos fossem homossexuais, a espécie humana já teria se extinguido.
Uma aluna entra na
discussão e replica:
-
Não é o casamento também para assegurar um patrimônio comum?
-
Lembro-me de ter aprendido na Faculdade que o Direito de
Família diferencia-se dos Direitos Obrigacional e Real por não ser de fundo
patrimonial. O casamento pode acontecer com total separação de bens e, em
alguns casos, é obrigado a sê-lo. A família é uma unidade moral. Assim, os
homossexuais poderiam resolver o problema de seu patrimônio comum no âmbito do
Direito Obrigacional e Real por meio de formas contratuais.
A aluna ainda tem dúvidas:
-
O senhor quer dizer que o casamento é só para a procriação?
- Vamos analisar com calma o que quero dizer. Os
cristãos acreditam que o casamento é uma instituição divina e cultural. Os
sociólogos e antropólogos identificam apenas a natureza cultural do casamento.
Para os cientistas sociais, havia um estado primitivo de promiscuidade que
impedia a identificação de um pai quando as mulheres ficavam grávidas. O
casamento foi criado para a identificação paterna, permitindo saber quem estava
responsável pelos cuidados e formação de uma criança, bem como para identificar
de quem a criança era herdeira. Isso permitia reconhecer os grupos (famílias,
clãs, tribos) e os sucessores dos governantes. Percebe-se que não haveria o
conceito de casamento se, como os anjos, fôssemos todos inférteis. O filósofo
Edmund Husserl identificou dois elementos nos objetos culturais: o substrato e
o sentido. Considerando o casamento como uma construção cultural, o seu sentido
pode sofrer variações, mas nos limites de seu substrato. O substrato do
casamento é um estado biológico que somente pode se dar numa união
heterossexual: a fertilidade. É verdade que um casal pode fazer a opção de não
ter filhos, assim como alguém pode casar com um estrangeiro apenas para ganhar
a extensão de sua nacionalidade. A razão, porém, para a instituição do
casamento, é a potencialidade da procriação e a conseqüente formação da
família. A essência de algo é aquilo que, sendo dado, faz a coisa existir e,
sendo retirado, faz ela desaparecer. Se a humanidade se tornasse infértil de
modo generalizado, a idéia cultural de casamento se perderia, podendo os
relacionamentos de vida em comum ficar sob as cláusulas de um contrato privado
entre sócios. A razão de especial proteção do Estado para o casamento é a
procriação e a família. Se o casamento fosse desnaturado pela remoção da idéia
de família e de prole, os filhos perderiam sua importância na idéia de família.
Nesse caso, o individualismo dominaria aquela esfera social que faz a mediação
entre o indivíduo e o Estado. A redução do casamento a uma realidade
patrimonial o faria uma figura mais econômica que moral e social. Até os povos
antigos perceberam isso. Foi por esse motivo que, embora havendo muita
homossexualidade entre os gregos, eles nunca cogitaram de um casamento
homossexual.
A aluna faz também sua última aposta:
- O que o senhor acha de o STF
ter também aceito a adoção por casais homossexuais?
- Um casal heterossexual (que biologicamente poderia
ter filhos) reúne as condições naturais para se colocar de modo análogo a uma
família com um adotando. Um solteiro (a) heterossexual poderia adotar na
condição análoga a de um viúvo (a) ou de uma mãe solteira, embora a existência
de um casal (heterossexual) sempre deveria ter preferência. Os psicólogos sabem
que a figura de um pai (masculino) e de uma mãe (feminino) faz parte do que uma
criança precisa para formar uma personalidade sadia. Um cristão diria que o
Criador sábio fez as coisas assim, enquanto um evolucionista ateu diria que a
natureza impessoal é que é “sábia”. O evolucionista coerente teria que
reconhecer que a união homossexual não promove a evolução da espécie, pois a
sua generalização implicaria na própria extinção dela.
Kin continuou:
-
Acerca ainda da adoção de crianças por parceiros homossexuais,
eu observaria também que nós precisamos lembrar dos direitos da criança e do
adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz:“A criança e o adolescente gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.” O artigo 7o fala em “desenvolvimento
sadio e harmonioso” da criança. Ora, uma criança adotada sempre enfrenta
dificuldades para entender que não é filha biológica de seus pais adotivos.
Agora, imagine para ela entender que não tem pais heterossexuais. Tente por um
pouco de tempo pensar no vexame dessas crianças. Pense no prejuízo psicológico
que causa a violação de uma lei da natureza, pois o normal seria uma criança
ter vindo de um pai e de uma mãe, sendo adoção feita por um casal heterossexual
uma tentativa (com dificuldades) de se aproximar do modelo natural. Não nos
deixemos aqui levar pela mídia. Há muitas reportagens feitas pela televisão que
procuram apresentar quadros de “felicidade” em situações em que homossexuais
criaram um filho. A coisa é tão falsa que tais representações fazem aparentar
que há mais harmonia nessas psdeudofamílias do que em famílias convencionais e
que o adotando sequer enfrentou os problemas habituais resultante de não
conhecer os seus pais biológicos.
O professor Kin pensa um pouco para saber se vai
dizer tudo que lhe veio à mente. Resolve, então, acrescentar o seguinte às suas
palavras:
- Preocupo-me
também com a pedofilia. A homossexualidade não implica necessariamente em
pedofilia, mas há uma constatação histórica inequívoca de inúmeros casos em que
as duas coisas estão presentes. É difícil ver um homossexual em idade avançada
interessando-se por outro da mesma idade. A pedofilia homossexual aparece com
mais freqüência nos noticiários que a heterossexual. Na Grécia antiga, a
homossexualidade, associada à força poderosa do Eros, era uma prática comum.
Com ela, porém, generalizou-se a pederastia (pedofilia com abuso sexual). O
historiador Michael Grant escreveu que Eros era também a base da pederastia. Ele
constatou que as relações sexuais entre homens e meninos eram “muito mais
preferidas às relações sexuais entre homens da mesma idade”[2].
O historiador K. J. Dover informa que o homem adulto sempre desempenhava o
papel ativo e o menino, o papel passivo nessas relações sexuais. Dover mostra
que a prática da barganha, que é tão freqüente nos casos atuais de pedofilia,
estava também presente na pederastia grega, pois tudo era considerado uma
troca: o menino concordava em ter relações sexuais com um homem adulto a fim de
receber conhecimento e tutela[3].
Muitos adultos, como Pausanius no Symposium de Platão, protestavam
porque os jovens, uma vez “esclarecidos”, saíam a procura de parceiros de sua
idade, sendo “injustos” com os homens mais velhos. Com o nosso lamento, as
práticas da “gloriosa” Grécia pagã subsistem dentro dos nossos presídios de
forma humilhante. Para completar, a pedofilia tem sido ideologicamente
defendida pela Associação Norte-Americana do Amor entre Homens e Meninos
(NAMBLA, em inglês). Essa associação luta pela descriminalização da pedofilia.
É bom, portanto, pensar no futuro e prever o que pode vir da equiparação da
união homossexual ao casamento.
Um outro aluno
perspicaz faz a seguinte observação:
- Professor,
porque você fala em “homossexualidade” e não em “homoafetividade”?
- O termo
“homoafetividade” é um eufemismo estratégico do movimento gay. Afinal de
contas, não é agradável ouvir protestos contra algum tipo de “afetividade”. Da
mesma maneira, o termo “homofobia” é um estigma sobre os que se opõe ao
homossexualismo, pois parece sugerir que eles têm pavor aos homossexuais. Os
que fazem juízo moral sobre a homossexualidade chamam os seus praticantes de
sodomitas. Eu preferi usar uma palavra neutra numa discussão acadêmica. Talvez
um dia conversemos sobre as estratégias discursivas com que muitos grupos
procuram manipular a sociedade.
O aluno
novamente pergunta:
-
Professor, o tempo de aula está acabando. Como você
concluiria?
Kin, já sem
fôlego, responde:
- A decisão do
STF serve para desviar a atenção de todos do fato de ele não ser militante ou
ser lento em assuntos de relevância nacional mencionados explicitamente na
Constituição (como a Reforma Agrária, a participação dos trabalhadores no lucro
das empresas, a questão da “ficha limpa”, etc). Filósofos de renome (ateus,
céticos e relativistas) admitem que a nova esquerda (feminismo radical,
movimento gay) afasta a mente da sociedade dos reais problemas sociais. Richard
Rorty, por exemplo, diz que a “esquerda cultural” (nova esquerda) “é incapaz
de se engajar na política nacional”. Nas palavras de Zygmunt Bauman, Rorty “conclama
as pessoas a recuperarem a sensatez e despertarem para as causas profundas da
miséria humana”. Bauman diz que os novos intelectuais são obstinadamente
egocêntricos e auto-referentes. A sua conclusão é clara: “A guerra por
justiça social foi, portanto, reduzida a um excesso de batalhas por
reconhecimento”[4].
Um aluno com
pressa e de pé diz:
- Professor, o
horário já terminou!
Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Mestre e Livre Docente em Direito
Doutor em Sociologia
Mestre e Livre Docente em Direito
Doutor em Sociologia
[1]
HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. Trad.
Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 170
[2] GRANT, Michael. The Founders of
the Western World. Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1991, p. 16
[3]
DOVER, K. J. A homossexualidade na Grécia Antiga. São Paulo: Nova
Alexandria, 1994
[4]
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Trad.
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 43-44
Soli Deo Gloria
Pr. Luiz Fernando R. de Souza
esse professor deu um show!!!
ResponderExcluirNossa, que aula hein?
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