DEUS ABANDONOU JESUS NA CRUZ?
“E, à hora
nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que,
traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Mc. 15:34.
A
expressão *“Meu Deus, Meu Deus, por que me desamparaste”* é classicamente
abordada em sermões antes da semana santa como as Sete Palavras da Cruz. Vale
lembrar que quando Cristo nasceu em plena noite luzes irradiaram, como se a
natureza se exultasse e alegrasse com a chegada do Emanuel, mas na cruz a
natureza se envergonhou quando foi executado.
O
grande reformador Martinho Lutero disse sobre esta passagem: *“Deus
abandonou Deus. Não consigo entender isto!”.* Creio que nós não iríamos
mais longe do que Lutero, mas nos irmanaríamos com ele e diríamos: nós também não.
No
Getsemani Cristo pediu ao Pai que passasse dele o cálice, mas se não, ele o
beberia. O que fez Cristo suar gotas de sangue não foi a eminência da cruz, mas
sim o *“Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”*.
Para
quem havia vivido em plena intimidade com o Pai vislumbrar a possibilidade de
ter e ver Seu rosto virado para o lado, era a maior angustia que um ser poderia
experimentar.
Na
cruz o Senhor Jesus estava recebendo sobre si todos os pecados de toda a
humanidade passada, presente e futura e era aceito pelo Pai como nosso vicário.
A grande implicação disso era que o Pai, em sua natureza ser santa em sua
totalidade, não contemplaria o pecado imputado ao Seu Filho. Jesus foi
desamparado para que nós nunca nos víssemos desamparados. Suportou a ira de
Deus para que nós desfrutássemos do Seu amor eterno. Ele assumiu o nosso
desamparo.
O
bispo Ryle vai dizer: *“o significado pleno desse grito não pode ser penetrado.
Mas certamente sua base não se encontra primariamente no sofrimento físico, no
fato de que Jesus, por um momento, foi feito pecado por nós (II Cor. 5:21); e
ao pagar a penalidade como substituto de pecador, foi amaldiçoado por Deus
(Gal.3:13). Deus, na qualidade de Pai, não o abandonou (Lc. 23:46); mas na
qualidade de Juiz, tinha de separar-se dele para que experimentasse a morte no
lugar do homem pecador.”*
Mas
a cruz é a perfeita expressão da santidade, como do julgamento. Cristo não
estava somente confessando/assumindo o pecado humano; estava também confessando
a santidade de Deus e revelando-a. Há somente uma coisa que pode satisfazer a
santidade de Deus: a santidade. A única adequada confissão de um Deus santo é
um homem perfeitamente santo. Isso significa que a santidade da cruz é mais
importante do que sua dor. Deus não se satifaz com a dor ou morte como tais,
senão somente com a santidade. O instrumento da expiação não é o sofrimento,
mas a santidade e obediência do Filho divino.
O
desamparo não foi um abandono, no sentido de uma ruptura definitiva de
relações. Na realidade foi uma aceitação do que Jesus fizera. O desamparo
vivido por Cristo foi o grande momento da aceitação de seu sacrifício que nos
incluiria.
A
palavra pecado no hebraico *Hattat* tem um duplo significado, o pecado em si, a
ofensa humana, e a oferta pelo pecado, a redenção, o ato divino. Jesus não era
pecador, por isso, o Pai o tonou oferta pelo nosso pecado. A oferta pelo pecado
tinha de ser pura. O Hattat por excelência tinha que ser sem Hattat. O que
Paulo diz em II Cor. 5:21 poderíamos parafrasear assim: *“Aquele que não
praticou Hattat, Deus o fez Hattat por nós, para que fôssemos feitos *Tsadiq*
(o homem a quem Deus não imputa pecado)*.
Notemos
que na cruz o Senhor Jesus quando deu este brado de desamparo, chama meu Deus.
Antes sempre se referia a Deus como Pai, mas agora é meu Deus. Aqui não houve
um abandono sentido, mas real. Calvino foi direto ao afirmar: *“Se Cristo
tivesse enfrentado apenas a morte física, isso teria sido inútil. Se a alma
dele não vesse sido afetada pelo castigo, seria somente salvação de corpos”*.
Por consequência, *“Ele pagou um preço muito maior e mais elevado ao sofre os
terríveis tormentos de um homem condenado e abandonado”.*
A
ocultação da face do Pai era o gole mais amargo do cálice de tristeza que ele
decidiu beber.
Ele
sofreu apenas como homem ou como Deus também? Poderia gastar muito tempo neste
assunto, mas foi resumir assim: *Sofreu como Deus/homem*. Deixo para os amados
o desenrolar desta afirmativa.
O
clamor de Jesus na cruz - *Eloí, Eloí, lamá
sabactâni?*,
teve como resposta o silencio de Deus.
Dois
mil anos antes, na mesma região, Moriá, Abraão, na sua angústia e carregado de
perguntas ao subir o monte para sacrificar seu filho, teve como resposta a voz
de Deus – *Não toque no rapaz. Não lhe faça nada.*. Mas a voz proferida em
Moriá estava agora silenciosa no Calvário. *Daria um ótimo sermão*.
Mas
por que o Filho foi abandonado pelo Pai? A resposta está no Sl. 22:3 *“Porém tu
és santo, tu que habitas entre os louvores de Israel”*.
O
Pai abandonou o Filho porque sua santidade o exigia. Esse abandono foi
temporário e passageiro, pois na mesma cena do Calvário Lucas vai dizer que Ele
disse: *“E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito. E, havendo dito isto, expirou”*.
Seu
último brado foi a eterna afirmação que Deus era seu Pai.
O
drama do Calvário revela a hediondez do pecado, a santidade de Deus e a plena
manifestação do seu amor.
Que
o Senhor nos ajude a valorizarmos cada dia mais a obra do Calvário e a Graça de
Deus.
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